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A História do Afeganistão: Da Guerra Fria à Guerra ao Terror

A História do Afeganistão

A História do Afeganistão

A História do Afeganistão. O Afeganistão, um país relativamente pequeno na Ásia Central – com menos habitantes que o estado de São Paulo e território menor que Minas Gerais – ocupa um lugar central na geopolítica internacional há mais de quatro décadas.

Palco de guerras devastadoras, o território afegão tem influenciado disputas entre as maiores potências mundiais, desde a invasão soviética nos anos 1970 até a recente retirada das tropas americanas em 2021.

O que acontece nesse remoto país traz consequências para todos os demais países do mundo. Para entender o Afeganistão atual e a chegada do Talibã ao poder, precisamos voltar no tempo e analisar os eventos que moldaram sua história turbulenta.

Da Monarquia à República: O início da instabilidade (1973-1978)

O golpe de Mohamed Daud Khan

O ano de 1973 pode ser estabelecido como um ponto de partida para compreender o Afeganistão contemporâneo. Foi nesse ano que Mohamed Daud Khan liderou um sangrento golpe de estado que pôs fim à monarquia e instituiu a primeira tentativa de fundar uma república no país.

Alianças políticas instáveis

Daud era um presidente nacionalista de esquerda que, para governar, aliou-se com setores marxistas ainda mais radicais. No entanto, esses grupos consideraram que seu governo estava sendo demasiadamente conservador. A presidência de Daud durou apenas cinco anos, até que em 1978 ele foi assassinado por membros do Partido Comunista local, conhecido como Partido Democrático Popular.

A Revolução Saur e a invasão soviética (1978-1989)

Nur Mohammed Taraki e as reformas socialistas

O episódio que ficou conhecido como “Revolução Saur” marcou, em plena Guerra Fria, a ascensão ao poder de uma agremiação marxista-leninista radical sob o comando do novo presidente Nur Mohammed Taraki. O governo afegão buscou implementar uma agenda de profundas reformas socialistas, alinhando-se à União Soviética.

Taraki tentou criar um programa de reforma agrária e pôr em prática várias mudanças estruturais. Essas transformações, no entanto, começaram a incomodar os líderes locais ligados a diversas etnias que controlavam o poder de fato no vasto interior do país. Esses grupos contrários ao governo de Taraki receberam apoio (dinheiro, armas e munições) do vizinho Paquistão.

Escalada do conflito e interferência externa

Em resposta, os soviéticos redobraram o apoio ao governo afegão. Em pouco tempo, a situação degenerou em guerra civil. A União Soviética armou e financiou fortemente as forças do governo local e, percebendo a escalada, os Estados Unidos entraram no jogo do lado dos rebeldes.

Com menos de um ano no poder, Taraki foi assassinado em um novo golpe de estado que culminou na ascensão de Hafizullah Amin. Seu mandato foi ainda mais turbulento, instável e curto. Apesar de ser comunista, ele foi considerado ineficaz e pouco confiável por Moscou, caindo em apenas três meses.

A intervenção direta da URSS

A União Soviética decidiu então parar de agir através de intermediários e começou a implantar diretamente sua política intervencionista. As tropas enviadas por Moscou entraram no Afeganistão em dezembro de 1979. Amin foi morto apenas três dias depois da invasão, e em seu lugar o Kremlin colocou um novo presidente, Babrak Karmal, que comandaria o país ao longo dos sete anos seguintes.

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Condenação internacional

Poucos meses depois, em 1980, o mundo condenou a invasão soviética. Os Estados Unidos decidiram boicotar a Olimpíada daquele ano em Moscou, e a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou resoluções contra o intervencionismo soviético na Ásia Central. O Kremlin recebeu apoio de apenas três países: Vietnã, Alemanha Oriental e Angola, todos do bloco socialista.

O surgimento dos Mujahidin e a retirada soviética

Financiamento internacional dos insurgentes

Enquanto o governo de Karmal era sustentado pelo poderio soviético, um conjunto de outros países manteve o milionário financiamento de grupos insurgentes locais. Americanos, britânicos, paquistaneses, iranianos, sauditas e até chineses armaram os guerrilheiros afegãos que, embora fossem de diferentes milícias locais, ficaram conhecidos todos pelo mesmo nome: Mujahidin, “aqueles que lutam a jihad” (a Guerra Santa).

O fim da ocupação soviética

Finalmente, em 1989, depois de 10 anos do início da guerra, o líder reformista soviético Mikhail Gorbachov retirou completamente suas tropas do Afeganistão. Dois anos depois, em 1991, veio o colapso total do bloco soviético.

O custo humano da guerra

As estimativas sobre o número de mortos ao longo da década de guerra com os soviéticos variam entre 500.000 e dois milhões. A retirada da potência também contribuiu para a fama do Afeganistão como “cemitério de impérios” – país que, ao longo de sua história, tinha lidado com macedônios, mongóis e britânicos. O fracasso soviético foi apenas parte do cenário que se mantém com forças externas até hoje.

O Talibã chega ao poder (1992-2001)

Caos pós-soviético e a guerra civil

Um ano depois do colapso soviético e da retirada das tropas de Moscou, o governo central afegão caiu. Grupos de combatentes Mujahidin de diferentes facções assumiram o comando, cada qual com seu quinhão. O poder foi tomado de forma fragmentada e disfuncional, em meio às disputas entre os diversos “senhores da guerra” que brigavam entre si.

A ascensão do Talibã

Em 1994, um desses grupos, chamado Talibã, tomou o controle de Kandahar, a segunda maior cidade do Afeganistão. Em 1996, eles invadiram a capital Cabul e assumiram a hegemonia diante dos demais grupos, erguendo um governo que duraria pelos cinco anos seguintes.

O que é o Talibã?

O Talibã é um grupo formado originalmente por membros da etnia Pashtun que combateram os soviéticos nos anos 1980. A palavra significa literalmente “estudantes”, e foi usada para se referir ao grupo porque muitos de seus membros eram jovens órfãos, refugiados e deslocados pela guerra, que cresceram frequentando um misto de seminário religioso e escola islâmica, chamadas no Afeganistão e no Paquistão de “madrassas”.

O regime Talibã (1996-2001)

A chegada do Talibã ao poder em 1996 deu início a mais um capítulo brutal na história do país. O grupo:

  • Destruiu sítios arqueológicos
  • Proibiu dança, música e esportes
  • Recusou ajuda humanitária internacional
  • Fechou o país para o mundo exterior

Opressão das mulheres

Mas o fardo mais pesado recaiu sobre as mulheres. Com base em antigos costumes Pashtun e numa interpretação radicalizada do Corão, o Talibã:

  • Obrigou mulheres a se cobrirem da cabeça aos pés
  • Proibiu-as de frequentar escolas
  • Proibiu-as de sair de casa sem autorização e a companhia de um homem

Quem desobedecia podia ser açoitada ou simplesmente executada em praça pública.

11 de setembro e a invasão americana (2001)

Osama Bin Laden e a Al-Qaeda

Foi um antigo combatente Mujahidin, não Talibã, que atraiu novamente uma potência para o território afegão: o saudita Osama Bin Laden, que fazia parte de milícias que foram treinadas e financiadas pelos Estados Unidos durante a guerra contra os soviéticos.

Os ataques de 11 de setembro

Na manhã de 11 de setembro de 2001, 19 terroristas da organização extremista islâmica Al-Qaeda sequestraram quatro aviões nos Estados Unidos:

  • Dois desses aviões foram lançados contra as Torres Gêmeas em Manhattan
  • Um terceiro avião foi jogado contra o edifício sede do Pentágono
  • Um quarto avião, que seria lançado contra a Casa Branca ou a sede do Congresso, acabou caindo no estado da Pensilvânia após passageiros lutarem contra os terroristas

Ao todo, 2.977 pessoas morreram e milhares ficaram feridas no 11 de setembro.

Resposta americana e invasão

O então presidente americano George W. Bush acusou o Afeganistão do Talibã de abrigar terroristas e, com respaldo do Congresso, tropas americanas invadiram o país em 7 de outubro de 2001, menos de um mês depois dos atentados. Começava um novo capítulo de guerras que se estenderia por mais 20 anos, tornando-se o mais longo conflito da história americana.

A ocupação americana e a reconstrução (2001-2021)

Queda rápida do regime Talibã

Os americanos derrubaram o governo do Talibã em apenas um mês. A operação no Afeganistão foi amplamente respaldada pelas Nações Unidas e pelos aliados da OTAN.

Estabelecimento de um novo governo

Um grupo de potências europeias lideradas pelos Estados Unidos criou um novo governo civil no Afeganistão. O escolhido para liderar esse novo governo foi Hamid Karzai, que assumiu o posto de presidente sem ter sido eleito. Uma nova constituição foi criada, instituindo uma democracia aos moldes ocidentais, com pluralidade partidária, eleições periódicas, separação dos poderes e liberdade de expressão.

Resistência contínua do Talibã

O Talibã, no entanto, não desapareceu completamente. O grupo radical permaneceu numa guerra de insurgência contra as tropas estrangeiras, da mesma forma como havia feito com os soviéticos, preparando uma volta ao poder que aconteceria 20 anos depois.

A caçada a Osama Bin Laden

O objetivo número um dos americanos era encontrar Bin Laden, missão que levou 10 anos para ser cumprida. Em maio de 2011, o terrorista saudita foi localizado e morto por militares americanos, não no Afeganistão, mas na cidade de Abbottabad, no vizinho Paquistão.

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Melhorias socioeconômicas no período de ocupação

A entrada de tropas estrangeiras no país em 2001 trouxe consigo uma enxurrada de organizações humanitárias, ONGs, fundações e novas embaixadas, que fizeram a precária economia do país crescer.

IndicadorPeríodo anteriorPeríodo de ocupaçãoMelhoria
PIB4 bilhões USD (2002)20 bilhões USD (2013)400%
Taxa de crescimento econômicoDados indisponíveis~10% ao ano (2002-2013)Significativa
Expectativa de vida32 anos (1960)64 anos (2019)100%
Mortalidade infantil (por 1.000 nascidos)232 (1962)46,5 (2019)80%
Alfabetização de meninas (<15 anos)<5% (1979)~30% (2018)500%
Dependência de doações externas~100% (2009)85% (2020)15%

Democratização e transferência de poder

Escolas foram abertas e novas gerações de meninas e mulheres experimentaram uma liberdade inédita. No entanto, a prosperidade tinha bases precárias: até hoje, 85% de todo o gasto público do país é financiado com doações internacionais.

Em 2014, houve a primeira transferência democrática de poder em toda a história do país, quando Ashraf Ghani foi eleito presidente. Nesse mesmo ano, a coalizão militar estrangeira anunciou o fim de suas operações de combate em solo afegão.

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A retirada americana e o retorno do Talibã (2018-2021)

Negociações e acordos

Com Bin Laden morto, o Talibã fora do poder e o país parcialmente estruturado, os Estados Unidos deram início em 2018 às primeiras conversas para uma retirada definitiva. Desde o início desse diálogo, o Talibã esteve presente na mesa.

O acordo de Doha

Em fevereiro de 2020, os Estados Unidos, sob a administração de Donald Trump, assinaram com o Talibã em Doha, no Qatar, um acordo que assentou as bases para essa retirada. Depois de 20 anos de presença militar, credenciado novamente como ator político, o grupo extremista passou a construir, a partir de maio de 2021, sua própria volta ao poder.

Ofensiva relâmpago do Talibã

Pouco a pouco, o Talibã foi tomando cidades do interior do Afeganistão, derrotando ou buscando a simples rendição das forças leais ao governo. Em 15 de agosto de 2021, depois de ter passado 20 anos se esgueirando pelo interior do país, o Talibã conquistou novamente a capital Cabul.

A retirada caótica

O grupo insurgente proclamou a formação de um novo governo, o presidente fugiu, as forças afegãs sumiram e as tropas estrangeiras continuaram sua marcha sem olhar para trás. Em 30 de agosto, o último avião com militares americanos deixou o país.

Consequências e cenário atual

O drama da evacuação

No rastro da retirada americana ficaram:

  • Imagens de afegãos desesperados na pista do aeroporto de Cabul tentando entrar à força em aviões
  • Mais de 170 mortos em um atentado à bomba operado por uma célula do Estado Islâmico nas vésperas da partida

Comparações históricas

O presidente americano Joe Biden disse que a missão foi cumprida e culpou os próprios afegãos pelo seu destino. A manobra foi comparada com uma derrota histórica dos Estados Unidos: a do Vietnã, com a saída atabalhoada de Saigon em 1975.

Novos atores no jogo geopolítico

A retirada dos Estados Unidos foi rapidamente seguida pelo movimento de outras potências interessadas em ocupar o vácuo deixado:

  • No nível regional: Paquistão, Irã e Turquia buscaram interlocução com o novo governo do Talibã
  • China e Rússia se colocaram como uma espécie de “supervisores diplomáticos” desse novo momento afegão

Promessas do novo Talibã

O Talibã, por sua vez, prometeu moderação, tentando se tornar mais palatável para a opinião pública internacional do que aquilo que faz lembrar seu regime de terror dos anos 90.

Considerações finais

Incertezas e desafios futuros

Como mostrou o atentado no aeroporto de Cabul, a situação no país ainda deve continuar incerta por muito tempo. A viabilidade e a longevidade de um novo governo dependem do equilíbrio entre os grupos armados internos.

Cicatrizes de quatro décadas de guerra

Mesmo que um único ator se consolide como novo governo, terá pela frente a difícil missão de cicatrizar as feridas que esses mais de 40 anos de guerra provocaram no Afeganistão.


Este artigo foi baseado em pesquisa histórica e análise geopolítica sobre o complexo cenário afegão, com o objetivo de oferecer uma compreensão mais profunda dos eventos que moldaram o país nas últimas décadas.

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